Em abril, Jenny Rappaport se sentou para inspecionar seu calendário, pois não sabia dizer quantos dias haviam passado desde que as políticas de quarentena de Nova Jersey foram implementadas. Antes da COVID-19, sua vida tinha estrutura e ritmo, e ela saberia dizer o dia da semana sem demorar um segundo sequer. A pandemia mudou tudo isso. “Não havia nada de diferente entre quinta e domingo ou segunda”, ela diz. “Essa igualdade é entorpecente. Eu acho que [isso] mexeu com meu sentimento de plenitude. Isso nunca aconteceu comigo antes — exceto quando eu me sentia muito deprimida”.
Diversos grupos de pesquisa se beneficiaram desse evento natural não planejado para observar os impactos psicológicos das distorções na percepção do tempo e seus efeitos na saúde mental. Psicólogos sabem que o sentido de tempo está ligado ao bem estar. A percepção de passagem mais demorada de tempo pode representar sinais de depressão ou de estresse pós-traumático (PTSD).
O sentimento de Rappaport combina com as descobertas preliminares dos estudos. No geral, as pessoas parecem estar sentido o tempo mais devagar, de acordo com dados que estão começando a ser compilados. Em uma pré publicação ainda não revisada, Sylvie Droit-Volet, pesquisadora da percepção de tempo na Universidade de Clermont Auvergne na França, e seus colegas mostram que as pessoas lá estão relatando que o relógio se move mais devagar durante a quarentena. Os pesquisadores também relataram sentimentos de tristeza e tédio, por conta do sentimento geral de desaceleração.
“Suas descobertas apoiam diretamente a conexão emocional com a percepção de tempo”, diz Philip Gable da Universidade de Alabama. Ele também está utilizando dados de pesquisa para examinar como as pessoas nos Estados Unidos vivenciam o tempo durante a pandemia. “É um evento social que terá influências psicológicas profundas em nós”, diz Gable, acrescentando que o intervalo temporal é uma parte importante dos nossos sentimentos sobre o que está acontecendo. Ele planeja coletar dados nos próximos nove meses, mas, até agora, encontrou evidências de que o ritmo cotidiano ficou para trás. Aproximadamente 50% das pessoas vivenciaram o tempo se arrastar durante março, enquanto 24% sentiu o tempo se acelerar.
Para alguns indivíduos em quarentena, o tempo se estica mas também se comprime. Jennifer Peirson, conselheira escolar em Nova Jersey que agora trabalha de casa, percebe que está presa em uma deformação temporal. “O dia parece muito maior”, ela diz. “Mas quando você chega em um feriado, não parece que tanto tempo assim passou”.
Essas percepções podem estar atribuídas ao cabo de guerra entre dois conceitos: tempo retrospectivo e prospectivo. Dan Zakay, professor na Escola Baruch Ivcher de Psicologia no Centro Interdisciplinar Herzliya em Israel, explica que a percepção de tempo retrospectivo evoca a memória de eventos passados e quanto tempo eles duraram. Tempo prospectivo envolve o julgamento da duração de um evento no momento presente.
Uma pessoa pode vivenciar ambos os modos em ocasiões diferentes. Se uma passa o dia olhando o relógio, as horas parecem se arrastar em uma sucessão de tédio. O efeito acontece porque no modo prospectivo de tempo, “quanto mais atenção eu der em pensar sobre a passagem de tempo, mais demorado vai parecer para mim”, diz Zakay. Com o tempo retrospectivo, quanto maior a quantidade de eventos que uma pessoa se lembra de ter acontecido durante um certo período, maior esse intervalo parece. Durante um bloqueio, a falta de eventos memoráveis que diferenciam um dia do próximo pode fazer parecer que o tempo está voando.
Distorções temporais, especialmente as intensas, interessam aos pesquisadores porque estão associadas com problemas de saúde mental anos após o evento. “Nós sabemos de outros estudos que situações de estresse emocional são únicas quando falamos de percepção do tempo”, diz Sven Thönes, pesquisador na Universidade Johannes Gutenberg em Mainz, na Alemanha.
A perspectiva de mais casos de condições mentais incentivou E. Alison Holman, psicóloga de saúde na Universidade da Califórnia, em Irvine, a estudar os efeitos psicológicos da COVID-19. Em trabalhos passados, Holman e seus colegas descobriram que pessoas que vivenciaram traumas relatam que o tempo parece parar ou se mover muito lentamente. Alguns indivíduos também passaram a serem mais focados em experiências traumáticas do passado, um sintoma da PTSD.
Holman se preocupa que a pandemia causará efeitos psicológicos similares nas pessoas mais ameaçadas pelo vírus. “Eu me preocupo que haverá um problema significante de saúde mental a caminho, e que essa pandemia será um trauma definitivo”, ela diz.